quinta-feira, 2 de abril de 2009

Wolney Teixeira

A luta pela preservação da casa e do acervo do fotógrafo Wolney Teixeira une boa parte da sociedade cabofriense. Historiadores, artitas, professores, jornalistas ou, simplesmente, cidadãos conscientes da importância do patrimônio. Baggio Digital, que está nessa luta desde que nasceu, traz hoje dois textos publicados nesta semana pelo jornal Folha dos Lagos. O primeiro é do editor deste blog, e o segundo do teatrólogo José Facury Heluy. Dois pontos de vista diferentes e ao mesmo tempo congruentes sobre o mesmo assunto.

_________________________________________________________________

Casa Wolney: museu ou ruína?

Tomás Baggio

A decisão da Justiça pela restauração da Casa Wolney, no centro de Cabo Frio, é um importante sinal de sintonia com os anseios da sociedade (ou parte dela). A novela, no entanto, já tem mais capítulos do que os divulgados até o momento, pois a sentença proferida pelo juiz Walnio Franco Pacheco no dia 13 de janeiro já foi motivo de recurso por parte da prefeitura de Cabo Frio. Ainda na mesma semana, a Procuradoria-Geral do Município entrou com um agravo de instrumento alegando que o imóvel não teria valor histórico suficiente para ser preservado. O agravo foi negado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) no dia 20 de fevereiro, quando a corte ratificou a sentença do juiz de Cabo Frio.
Porque, então, o processo só foi divulgado anteontem, 31 de março?
“Porque o processo foi movido pelo Ministério Público e, não sei por qual motivo, eles não divulgaram antes. Tomei conhecimento do assunto apenas na semana passada. Não podíamos acionar os proprietários porque o imóvel não é tombado pelo Iphan. Estamos participando das discussões, mas à margem da questão judicial”, explicou o chefe do escritório técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-Cabo Frio), Manoel Vieira, que disponibilizou o documento à imprensa.
O chefe do Iphan afirma que a prefeitura está lutando contra uma “causa perdida”, e clama pela preservação do patrimônio.
“Em vez de defender uma causa perdida, a prefeitura deveria somar esforços para cumprir a determinação judicial. Porque, acima de tudo, esse assunto não é uma questão de Justiça, é uma questão sócio-cultural. E como se não bastasse a aclamação pública, agora é a vez da Justiça fazer coro pela preservação”, opina Vieira.
A opinião do governo municipal, ao menos por hora, não muda com a decisão da Justiça. O coordenador de Cultura da prefeitura cabofriense, Guilherme Guaral, diz que ainda precisa conversar sobre os novos fatos com o prefeito Marquinho Mendes e com o secretário de Turismo e Cultura, Gustavo Beranger. Por enquanto, ele continua achando difícil para o poder público municipal liderar a recuperação do patrimônio.
“Na minha opinião, há duas frentes de trabalho quando se fala em Wolney Teixeira. Uma é a aquisição e a preservação do acervo, que eu considero de extrema importância. Outra é a recuperação da casa, que é um assunto mais complicado. Temos aí uma questão judicial a ser resolvida, porque o imóvel já foi vendido e não pertence mais ao Warley (Sobroza de Souza, filho de Wolney). Sem contar que a casa está totalmente descaracterizada e precisaria ser reconstruída. Eu estimo que isso não seria feito com menos de R$ 2 milhões, e hoje não temos dinheiro para isso. Não temos mesmo. Só se o Iphan fizesse uma parceria de verdade e nos ajudasse a captar recursos”, declarou Guaral.
O coordenador de Cultura anunciou que, mesmo antes de negociar a aquisição do acervo de mais de dez mil fotos que está com Warley, a prefeitura irá montar, na Casa de Cultura José de Dome, o Charitas, uma sala em homenagem ao fotógrafo Wolney Teixeira.
“Temos um pequeno acervo de cerca de 100 fotos nas mãos do poder público e já dá pra começar a montar esse espaço. Depois, com o Warley ao nosso lado, vamos realizar exposições temáticas e outras atividades”, contou.
A mobilização pela preservação da Casa Wolney começou no ano passado, quando o então secretário de Cultura, Milton Alencar, disse que não falaria sobre o assunto, que considerou como “encerrado”. Na semana seguinte, em uma reunião no Convento Nossa Senhora dos Anjos, a memorialista Meri Damaceno e o historiador Célio Guimarães deram voz ao movimento pela preservação do patrimônio, que culminou com a promessa do prefeito Marquinho Mendes, então candidato à reeleição, de recuperar o imóvel e transformá-lo no Museu da Imagem Wolney Teixeira.
Eis uma boa oportunidade de acabar com o divórcio entre os governantes e a classe artística, provocado, principalmente, pela política de distanciamento implementada pelo ex-secretário de Cultura (atual superintendente na mesma secretaria). Ter um pacificador como Guaral no comando é um bom começo, mas o casamento só irá se consolidar se o governo tomar o setor como prioridade na administração.

* Texto publicado no jornal Folha dos Lagos em 2/04

_________________________________________________________________

O catador de memórias

José Facury Heluy

Com exceção da Casa do Scliar, por ter sido um empenho pessoal do seu filho e estudiosos das obras do artista, Cabo Frio, é único lugar que eu conheço em que a oficialidade cultural não resgatou como museu ou espaço de artes a moradia dos seus habitantes ilustres. Até Arraial do Cabo nos dá um banho com a casa do poeta Vitorino Carriço. Em Casemiro de Abreu temos a casa do poeta dos nossos doces anos. Em São Pedro a Casa da Flor do Gabriel, o nosso Gaudi tupiniquim. Por aqui, ninguém sabe onde morou Teixeira e Souza e a casa do excelente e genial pintor Zé de Dome, está lá largada nas Palmeiras, assim como algumas das suas obras.Talvez não considerem o eminente fotografo um ilustre. Mas é a única maneira de sabermos da cidade daqueles tempos e conhecermos melhor a história que nos cerca. Não pensem que ter apenas o seu acervo, sem a casa, já bastaria. Quem a comprou foi um empresário para fazer uma daquelas horrorosas lojas que se amontoam na Érico Coelho e empresários fazem qualquer negócio com o poder público.Na Rua Érico Coelho, antiga Rua Direita, cheia de referências históricas da cidade, só existe um sobrado que a identifica como tal: o palácio das Águias. É muito pouco para uma cidade histórica, perto de completar quatrocentos anos de fundação. O valor memorial de tê-la é incomensurável. A casa do Wolney estando ali, reformada, a arejaria culturalmente: todo o seu acervo exposto em diversas mídias; bacias, aparelhos e tinturas que o acompanharam através dos tempos; os diversos modelos de máquinas fotográficas que utilizou para retratar a cidade; o projetor cinematográfico do antigo Cine Recreio que se encontra deteriorando no foyer do Teatro Municipal e todas as matrizes pagas pelo poder público que se encontram acondicionadas na Cabo Frio TV, referenciariam integralmente a rua. Até porque as melhores imagens do acervo do fotografo são exatamente as da Rua Direita retratada por Malta e Picarelli no inicio do século XX.No exterior, veríamos a simplicidade colonial das casas baixas com seu telheiro que marcaram a moradia cabo-friense no inicio do século passado e nos seu interior veríamos um sofisticado e moderno Museu da Imagem. Com ela, caberia uma campanha de doações em Cabo Frio onde se revelariam outros documentos em forma de imagem que se encontram guardados nas casas das famílias tradicionais, que nem “a pau” entregarão à Prefeitura se não tiver um espaço expositor que as valorize.Desde 2005 que o Warley vinha oferecendo a casa e o acervo do seu pai com a sua curadoria para a Prefeitura Municipal e nada. Agora, dizem que não adquirirão a casa, mas acham-se imbuídos em tê-lo como protetor do seu acervo. O tempo passará de novo, sem que nada aconteça até ele desistir e vender tudo para um colecionador ou um museu de fora de Cabo Frio. Isso já aconteceu com o Museu do Mar do Elísio Gomes.Aí, teremos que nos contentar com as reproduções que se desgastam nas paredes dos prédios públicos da cidade ou comprar a peso de ouro, cada cópia de um novo dono, para aguçar a nossa memória. O maior catador dessas verdades memoriais tem que ser o poder público. Só assim, poderão falar em turismo cultural de qualidade...

* Texto publicado no jornal Folha dos Lagos em 1/04

8 comentários:

Anônimo disse...

Caro Tomás

Apenas para esclarecimento, gostaria de saber que matrizes são essas, que segundo o Facury foram pagas pelo poder público e estão armazenadas numa TV privada, e que, se é verdade o que comentam na cidade pertence aos atuais donos do poder.

facury disse...

De 1990 a 1992...de 2007 a 2009 que a Prefeitura Municipal de Cabo Frio vem pagando por registro de imagens da cidade, cujas matrizes em U-Matic e Betacan encontram-se na Cabo Frio Tv ou na Produtora Designer. Essas imagens deveriam estar acondicionadas na Secretaria de Comunicações ou em um Museu da Imagem da cidade. nunca em empresa particular.

Guilherme Guaral disse...

Prezado Tomás, gostaria antes de postar um texto atual sobre a questão da Casa e do acervo do fotógrafo Wolney Teixeira reproduzir aqui na totalidade a entrevista que enviei por e-mail para a repórter da Revista de História da Biblioteca Nacional. Podemos ver que o que foi escolhido como fala oficial da Coordenadoria/Secretaria de Cultura não representa a nossa orientação maior. Aproveito para levantar a questão de como em História e no Jornalismo as escolhas, as tradições e as verdades são construídas e muitas vezes fora do alicerce do que o emissor pretendeu marcar como posição. Essa entrevista foi feita em meados de fevereiro e está na Revista edição de março 2009.
QUESTÕES:
• O que a prefeitura de Cabo Frio tem feito – e pretende fazer – para preservar e valorizar a memória da cidade?

R – A questão da valorização de nossa história e consequentemente da memória da cidade tem sido um ponto importante nesse novo momento que estamos começando. Criamos na Secretaria de Turismo e Cultura um Departamento que cuidará da parte de Patrimônio e Museus e um dos esteios de nossa ação é retomar o IMUPAC (Instituto Municipal de Patrimônio Artístico e Cultural), estreitando os laços com o INEPAC e o IPHAN para que em conjunto possamos cuidar do patrimônio material e imaterial que é extremamente rico em nossa região.

• Como as fotografias de Wolney Teixeira de Souza poderiam ser incluídas num projeto de preservação/valorização da história de Cabo Frio?

R - Pretendemos criar um Centro de Memória onde atualmente é o prédio da Biblioteca Municipal (um solar do século XIX) e reunir nesse espaço toda a documentação já digitalizada pela Câmara Municipal, livros, mapas, acervo de historiadores e pesquisadores, montando um banco de dados reunindo tudo ou quase tudo que já foi produzido sobre Cabo Frio. A parte da iconografia é bastante importante neste contexto, sobretudo, por conta de sua visualidade e conseqüente materialidade em relação às transformações que a cidade sofreu e o acervo do Wolney Teixeira com cerca de 5.000 fotos é um manancial riquíssimo para os pesquisadores que buscam sedimentar seus trabalhos.

• Existe algum interesse ou projeto da prefeitura para criação – ou apoio à criação – de um museu/acervo sobre o fotógrafo?

R – Pela importância do acervo acreditamos que ele mereça um espaço destacado. Precisamos, no entanto, estreitar os laços com os familiares do fotógrafo/artista para criarmos um projeto que dê essa visibilidade a esse importante conjunto de documentos. O ideal seria buscar um espaço onde o acervo se tornasse a grande atração. Esperamos conseguir realizar esse Projeto.

• E outras casas de memórias? Há algum projeto em andamento, uma vez que Cabo Frio praticamente não dispõe de instituições deste tipo?

R - Acredito que todo trabalho gera frutos. Se a questão da preservação do nosso patrimônio ganhar os cidadãos e houver um engajamento da nossa comunidade nessa ação creio que esses espaços se multiplicarão. Entretanto, essa tarefa deve ser orientada pelo Poder Público, mas estando aberto e sendo convidativo a iniciativa privada para que ela também se envolva e se torne parceira nesse intuito. Um dos projetos pensados na Coordenadoria é o do Selo Cabo Frio Cultura Viva que pretende a partir de uma contrapartida do município (isenção de tributos municipais) poder associar novos espaços num processo de apoio institucional, gestão total ou parcial para ampliar a rede de centros culturais na nossa cidade.



• Quais são as principais atividades/projetos previstos pela Coordenadoria de Cultura para os próximos anos?

R – Além do projeto acima citado, estamos preparando um conjunto de ações com essa marca Cabo Frio Cultura Viva que prevê a abertura de um Edital para patrocínio nas áreas de Teatro, Dança, Literatura, Música, Manifestações Folclóricas, Curta-metragem, Gastronomia, Artes Plásticas e Diversidade Cultural. Essa ação visa apoiar as diversas linguagens e abrir um diálogo com cada categoria, além de mapear a produção cultural na cidade. Uma das contrapartidas exigidas no Edital será a participação dos contemplados no Projeto de criação de novos centros culturais nas Escolas Municipais chamadas de Escolas Padrão, espalhadas pelos bairros periféricos da cidade. Nosso objetivo é criar ações que fortaleçam nossos espaços culturais no centro urbano, mas também ampliar essa rede de circulação de cultura, levando oficinas e espetáculos de diversas linguagens artísticas as comunidades que não tem acesso aos bens culturais. O objetivo é formar, informar e fazer a cultura circular por todos os bairros da cidade, seja nas Praças, nas Escolas, nas Associações de Moradores ou em espaços particulares e vivenciar de fato o lema do governo, procurando garantir “a cultura para o cidadão”.

Secretaria de Turismo e Cultura de Cabo Frio
Guilherme Guaral
Coordenador Municipal de Cultura

iel disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
iel disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
iel disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
iel disse...

Cabo Frio, 14 de julho de 2009

O TEMPO PASSA, A MEMÓRIA FICA

O tempo passa e lastimo muito pelo que vem sendo dito sobre a antiga casa do Wolney. “A casa não tem importância, o que tem importância é o acervo". Tal afirmação é absurda e não se sustenta socioculturalmente. Qualquer cidadão que tenha um sentimento mínimo de pertencimento e amor à cidade (e, portanto, não falo aqui apenas de moradores e nascidos em Cabo Frio) irá dela discordar.

Assim como discordam os petropolitanos, que fizeram bem em preservar uma ‘estranha’ residência por onde se sobe o primeiro degrau sempre com o pé-direito. Milhares de visitantes observam estupefatos a criatividade de seu antigo e ilustre morador. Será que alguém, algum dia, cogitou em derrubar a casa onde morou Santos Dumont? Provavelmente não. Dele não se preserva só o 14 Bis...

Discordam também os moradores de Barra de São João, RJ, onde existe antiga edificação onde nasceu e passou parte da vida um dos mais famosos romancistas do Brasil. Souberam preservar a arquitetura da ‘aurora’ da vida daquela cidade, que traz lembranças da infância querida, que os anos já não levam mais! Tal edificação, de caráter muito simples, funciona hoje como museu, abrigo poético da memória de Casemiro de Abreu. Além dos poemas, há memória em sua casa...

Mais recentemente, discordaram também os seringueiros, o povo do Acre, os brasileiros e, muito provavelmente, ambientalistas mundo afora. ‘Uma casinha de nada’, localizada no número 10 da rua Batista de Moraes, em Xapuri, que alguns diriam ‘não ter a menor importância’, se comparada com a vida de seu heróico morador, não pode mais ser demolida. Essa rudimentar edificação é mais simples do que a residência da maior parte das pessoas que lerão este texto/mainfesto. Porém, há quem diga que o valor simbólico, materializado nas paredes, no teto, no piso, na simetria simples da sua fachada, supera inúmeras edificações artisticamente relevantes. Falamos da casa onde viveu Chico Mendes, no Acre, que foi recentemente tombada pelo IPHAN, eternizando a sua luta pela preservação da floresta.

Não se preocuparam os técnicos em comparar a importância de nehuma dessas casas com a importância dos seus ilustres moradores. Muito pelo contrário, sabiam que a preservação das casas reforçaria a preservação da história de cada um deles.

E há, por assim dizer, tantas outras casas importantes que, não por sua arte, ou por sua antiguidade – mas porque nela viveram pessoas que marcaram nossa história -, devemos preservar. Algumas destas edificações hoje abrigam importantes centros de cultura, como a Fundação Casa de Rui Barbosa (Rio de Janeiro, RJ), a Casa Museu Getulio Vargas (São Borja, RS), o Museu Casa Érico Veríssimo (Cruz Alta, RS) e o Museu Casa Benjamim Constant (Rio de Janeiro, RJ).

Portanto, afirmo que a maior importância do Wolney Teixeira é o Wolney Teixeira, ou seja, tudo aquilo que a ele se relaciona. O seu acervo é importante? Sem dúvida! É reflexo do seu trabalho. Sua antiga residência é um marco da sua existência. Sua oxidada câmera fotográfica, o veículo da sua realização profissional. Tudo o mais que se integrar, se referir ao conteúdo do seu trabalho, direta ou indiretamente, merece um olhar cuidadoso “por se remeter a alguém cuja atuação tem importante relevância para história de um lugar, no caso, o nosso lugar”.

Ainda assim, mesmo que haja um breve esquecimento de que ali viveu Wolney Teixeira, mesmo que este branco e pálido esquecimento tome de assalto repentinamente a memória de um e de outro e haja risco desse pensamento contaminar seu povo, seu lugar, basta que se olhe para a edificação: por sorte, ela, no alto de seus duzentos e poucos anos irá nos dizer que possui história, de modo que devemos algum respeito aos seus “cabelos brancos”.

Manoel Vieira
Chefe do Escritório Técnico do IPHAN em Cabo Frio

Cristal disse...

Ano após ano vejo a cidade se descaracterizar totalmente. As casas antigas deram lugar a construções feias. Crescer e se modernizar é importante, mas saber valorizar o passado, conhecer seus personagens e o que fizeram é tão essencial quanto. É triste, mas Cabo Frio está se tornando uma cidade sem memória.
Infelizmente só vi esse post agora...não sei como anda o processo, mas estou disposta a apoiar (e ajudar!)

Cristal