quinta-feira, 26 de março de 2009

Wolney na HISTÓRIA

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Retratos em família

Acervo de mais de 10 mil imagens de Wolney Teixeira de Souza, o
“fotógrafo de Cabo Frio”, permanece na casa de seu filho

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Por Juliana Barreto Farias

“O homem é um produto do meio em que vive”, diz o fotógrafo Warley Sobroza de Souza. Motivos para acreditar nisso não lhe faltam. Filho e neto de fotógrafos, ele herdou a paixão familiar pelas imagens instantâneas. Nas últimas décadas, tornou-se guardião do rico acervo paterno, o Arquivo Fotográfico Wolney Teixeira de Souza, com mais de 10 mil fotografias de lugares e personagens de Cabo Frio, cidade turística do litoral do Rio de Janeiro, registradas entre as décadas de 1930 e 1980.
“A cidade do arquivo do meu pai já não existe mais. Mas ele tinha consciência de que suas imagens iriam permanecer. Dizia: ‘Isso aí vai ser seu futuro. Vai fazer parte da memória de Cabo Frio’. Talvez por isso nunca tenha jogado fora a chapa de vidro e o ampliador, próprios para a reprodução de seus negativos”, conta Warley. Seu pai tinha razão. Percorrendo a cidade, é possível encontrar cópias de suas fotos penduradas nas paredes de restaurantes, escritórios e repartições públicas. Também não é difícil achar moradores que tenham registros de batizado, primeira comunhão ou casamento feitos pelo “fotógrafo de Cabo Frio”.
Sem qualquer tipo de apoio financeiro, ele mantém as fotografias organizadas num cômodo nos fundos de sua casa. As imagens retratam antigas salinas da região, praias quase desertas, pescadores e outros trabalhadores do mar, festas religiosas, eventos políticos e a intimidade de muitos cabo-frienses. “São fotografias que transportam para os nossos dias o local bucólico e interiorano que um dia foi Cabo Frio. Em pouco mais de vinte anos, o lugarejo da Região dos Lagos se tornou um dos grandes centros turísticos do estado do Rio, e grande parte de seu patrimônio paisagístico e cultural desapareceu com a expansão urbana e a especulação imobiliária”, assinala Rodrigo Sarmiento da Silva, professor de História na cidade, que prepara projeto de mestrado sobre o acervo.
A fotografia entrou na vida da família pelas mãos e olhos do pai de Wolney, Antonio Motta de Souza. Filho de fazendeiro da região de São Pedro da Aldeia, Antonio, mais conhecido como Zinho Pereira, preferia caçar e pescar a cuidar dos negócios familiares. Para tentar mudar os rumos de sua vida, parentes arranjaram-lhe um emprego em uma ferrovia mineira. Em pouco tempo, passou de peão a carregador dos pesados equipamentos do profissional que fotografava as obras. Nascia ali a paixão pelas imagens. Zinho Pereira decidiu se aperfeiçoar no novo ofício, foi estudar na capital carioca e teve a sorte de ganhar, como mestre, Augusto Malta (1864-1957) – que como fotógrafo da Prefeitura Pereira Passos foi o responsável pelos únicos registros das radicais transformações por que passou o Rio naquele início de século XX.
Não demorou para que Wolney, filho mais velho de Zinho Pereira, acompanhasse os passos paternos. No início, usava o equipamento dele, uma máquina enorme, de madeira, muito parecida com as câmeras de lambe-lambe. Mas na década de 1930 adquiriu outras mais modernas, como uma speed-graphic americana, a única de toda a Região dos Lagos. Como um verdadeiro “fotógrafo-arquivista”, preocupava-se em preservar os registros de outros profissionais que passaram pela cidade. Na década de 1960, resgatou uma série de fotografias do próprio Malta feitas em 1915, durante as comemorações pelos 300 anos de Cabo Frio. Elas estavam prestes a ser jogadas no lixo junto com os entulhos de uma empresa falida. Sabendo da importância que essas imagens tinham para a história local, manteve sempre o cuidado de catalogar e dar um tratamento minimamente adequado a todos os registros que acumulou ao longo de mais de cinqüenta anos.
Hoje seu acervo permanece organizado praticamente como ele deixou. Quando faleceu, em 1983, seu filho Warley criou um arquivo com toda a coleção. “Apenas” 1.500 negativos estão catalogados. O restante fica guardado em caixas de sapato. Um verdadeiro risco para uma documentação que precisa de cuidados tão especiais. Para conservar coleções desse tipo, é necessário criar barreiras para a entrada de luz ou poeira e ainda evitar oscilações de temperatura e umidade. Não é à toa que o fotógrafo Warley, já com 70 anos e sem filhos, se preocupa com o destino de todo esse material. “O arquivo só vai sair da minha casa se ficar em Cabo Frio, nas mãos do poder municipal, pois foi para isso que meu pai trabalhou: para a memória da cidade.”
Mas até agora os administradores de Cabo Frio não se deram conta da importância do acervo. Coordenador de Cultura do município, o historiador Guilherme Guaral diz concordar que as fotografias de Wolney Teixeira merecem atenção, mas pondera que antes é preciso “estreitar os laços com os familiares do artista para criarmos um projeto que dê visibilidade a esse importante conjunto de documentos”.
Enquanto a parceria mais uma vez não avança, Warley prossegue descobrindo novas imagens – a última foi uma bela panorâmica feita por Malta no alto do Morro da Guia, em Cabo Frio – e recebendo, com visível orgulho, pesquisadores e moradores interessados nas histórias de sua família e de sua cidade.
*Texto publicado na revista HISTÓRIA da Biblioteca Nacional em março de 2009 e extraído do site http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=2261

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